# Uma cidade nua em tempos de quarentena
Foto Artur Pastor, Rossio, Lisboa
é assim com este bulício que recordo a cidade, mesmo há 3 semanas atrás. hoje é uma cidade nua, despida de gente. sobram aqueles que a sociedade coloca de parte e que dormem em bancos de jardim, à porta de Bancos, à porta de lojas. infelizmente muitos irão parar a camas de hospital à ala de isolamento deste Covid-19.
à porta de um grande hipermercado há uma fila de pessoas - estão tal como é aconselhado, distantes umas das outras, de luvas, máscaras na cara. há tensão no ar num dia bonito de Primavera a caminho da Páscoa.
a segurança manda-nos entrar. lá dentro há quem atue normalmente como dantes , antes da quarentena obrigatória, antes do estado de emergência, mas muitas pessoas mostram-se tensas, páram para deixar os outros passar e guardam sempre distância.
opto por ir para uma caixa-expresso, sem ninguém. a operadora sentada numa cadeira , protegida por um acrílico e de luvas, diz-me que as pessoas de idade vêm quase todos os dias ali, muitas vezes para nada comprar, talvez à procura do Tudo que desapareceu abruptamente.
uma pedinte de luvas e máscara pede-me dinheiro, acedo mas digo-lhe que o deve desinfetar. diz-me a chorar que várias pessoas lhe gritaram e disseram para se afastar porque podia estar infetada.
coloco uma máscara para visitar as avós e o avô da família. hoje é dia deles. o jornal, uns pastéis de nata, moscatel e whatsapp são momentos de pequena felicidade neste caos.
de regresso a casa, um corredor resolve correr pela álvares cabral abaixo como se fosse a meia-maratona. arrisca-se pelo que me contaram a levar com um ovo na testa. foi corajoso e livre.
tempos estranhos, estes. oxalá calor, ciência e técnica, ajudem a desfazer o nó deste filme de ficção científica que é a nossa vida atualmente.
esta é para o atleta da álvares cabral ( que saudades de uma corrida!)
correu por todos nós que estamos em casa.
à Eva, ao José Carlos e à Lourdes
@mmalheiro