Uma casa de silêncio
desde que partiste,
60 dias redondos que parecem anos,
há uma casa de silêncio.
não habitas o meu espaço
nem o dos outros
só em sonhos
ou em pesadelos.
deixaste a casa arrumada:
o deve e o haver,
o livro do Razão está fechado,
não há atas ,
nem o mata-borrão da minha infância que o pai usava.
o testamento ficou em caderninhos
na casa para a qual já não voltaste,
as palavras ficaram em nós: "não sejas piegas" dizias a partires, " o Costa sempre ganhou?", " este hospital tem umas instalações espetaculares" (Covidário), "dá-me um beijinho" disseste ( mesmo) no Fim.
naquela semana de silêncio
só dormias (tranquilamente) no quarto com vista para o campo,
na terra que tantas vezes percorreste de carro a caminho do trabalho.
abraçámos-te no pasmo daquele momento derradeiro, no pasmo de já não haver palavras tuas.
há uma casa de silêncio que nos acompanha agora.
esvaziamo-la de objetos úteis, fúteis e completamente! inúteis.
trocávamos tudo, mãe e pai, pelo vosso abraço, por uma piada do costume, tipo "ai morres, morres" , por umas belas e únicas farófias ou pela discussão sobre os golos do Benfica ou pela política em geral.
trocávamos tudo, até uma casa de silêncio.
@mmalheiro
aos meus pais, A.Carreiras e ML.Malheiro, com imensas saudades