Carlos Paredes, Verdes Anos
Um Fado
Abre-se agora o caminho
Desço no elevador da Bica até à Boavista
Sinto o cheiro a maresia
A luz perpassa os corpos
Encolhidos no espaço
Rectangular de madeira antiga
Sou Lisboa!
Começa o Fado
A letra está desenhada na palma da mão
Na minha
Na tua
Na dos outros
Canto-a à minha maneira
Sentida e dura
Quebrada pela melodia
Que ecoa pura, singela
Mas obscura.
Ao Largo do Conde Barão
Lá está a árvore onde repousam
Os meus pensamentos,
A minha mão pura e escura
E o som do trinar da guitarra
De um anjo fadista.
Subo à Rua dos Mastros
Onde outrora marinheiros e varinas
Gingavam ao som do mar
Rasgando as suas melodias
De búzios, conchas e poesia.
No empedrado da rua que ali está encoberta
Pelas gaiolas pombalinas
Avança o carro
E o caminho abre-se lento e luminoso
Aguarda-me enfim a Igreja do Convento de Jesus;
Branca, imponente, severa!
Ao longe a Assembleia dos Homens Ilustres
Desenha-se por entre os telhados vermelhos
Os sinos tocam a rebate
Anuncia-se a Hora!
Sigo à Estrela
E por entre as árvores, as fontes, a melodia
Encontro a tua palma pequena, suave e luminosa
Trazes as palavras nas mãos
Os sonhos em fiadas
Os trabalhos em desgarradas
E a guitarra trina
Trina, trina
Desço ao Rato
As mãos fecham-se aos trabalhos
Abrem-se numa súplica miserável
E tu, pequeno
Pedes a Lisboa
Um agasalho de esperança
E um punhado de coragem
Segues o teu fado por entre as ruas e vielas
A Severa chama-te ao Bairro Alto
E a rua de Rosa no nome
Traz-te os cheiros
Da mourama
Do oculto
Do incerto!
Um dia as tuas pequenas palmas
Tocarão com força nas minhas
E sentado à soleira da porta velha e gasta
Procurarás a melodia que hoje escrevo
Sobre o Fado de Lisboa
Entre as cordas da guitarra
Soltarás a tua música
E rima
E com ela encontrarás
O teu caminho claro e perfeito
Por entre as nuvens da imaginação!
MC130609